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Muitos moradores só ficam sabendo que terão de sair de suas casas quando suas residências são marcadas com uma tinta preta. Ao oferecer resistência, o morador é informado de que sua casa é ilegal, mas que a CDHU dará um apartamento para sua família morar. Por Daniel Martins
Há mais de um ano a Companhia de Desenvolvimento da Habitação e Urbanismo (CDHU) vem assediando famílias do Bairro Sítio São Francisco e causando danos irreparáveis em muitas delas. Esse órgão do estado de São Paulo, com medidas coercivas e estratégias que dificultam a mobilização e conscientização dos direitos dos moradores, já fez com que milhares de famílias abandonassem suas casas e financiassem apartamentos localizados no próprio bairro. O Sítio São Francisco é uma ocupação localizada no Bairro dos Pimentas, Guarulhos, consolidada há mais de 25 anos, que conta com mais de 20 mil famílias. Ao serem deslocadas para os pequenos apartamentos, com parcelas de financiamento que se estendem por dezenas de anos, muitas das famílias não têm suas necessidades consideradas, como o número de filhos, dificuldade de mobilidade de deficientes e idosos e o tratamento de animais de estimação. Por outro lado, há famílias que desejam ir para os apartamentos por estarem em condições precárias, mas a CDHU não dá prioridade a essas famílias, visto que a maioria delas não tem renda fixa que possibilite regularizar o financiamento dos apartamentos. Além disso, famílias que não conseguem pagar as parcelas do apartamento financiado já estão sendo ameaçadas de despejo pela Companhia.
Para impedir que os moradores se mobilizem, a CDHU vai convencendo e derrubando um número reduzido de casas por vez, com espaços entre as casas escolhidas para a demolição. Assim, os moradores que oferecem alguma resistência são obrigados a aceitar a proposta de ir para os apartamentos, pois sua casa acaba ficando isolada e cheia de escombros em volta. Ruas e quarteirões inteiros já foram derrubados com esta tática, mas os restos das casas não foram retirados do local no período da demolição, aumentando a incidência de ratos, baratas e escorpiões. Os escombros das casas também serviram para ações criminosas como a violência sexual sobre uma criança de três anos. Os entulhos só foram retirados há cerca de um mês, após várias denúncias feitas em assembleia de moradores.
Outra estratégia da CDHU é escolher comerciantes, que exercem liderança no bairro, e fazer deles agentes comunitários. Esses agentes participam de reuniões, a portas fechadas, no escritório da Companhia, localizado no Sítio. Não temos conhecimento do que ocorre nessas reuniões, mas sabemos que alguns desses agentes receberam ofertas de propriedades com comércio térreo [no rés-do-chão] e casa no piso superior, em troca de seus estabelecimentos. Também podemos observar que, após os moradores terem gerado um acúmulo de debates, esses agentes tendem a se posicionar a favor das ações da Companhia. Além disso, nos quarteirões em que eles exercem influência, os moradores se mostram menos dispostos a lutar.
Muitos moradores só ficam sabendo que terão de sair de suas casas quando suas residências são marcadas com uma tinta preta. Ao oferecer resistência, o morador é informado de que sua casa é ilegal, mas que a CDHU dará um apartamento para sua família morar. O que ocorre de fato é que o morador tem que comprar o apartamento e o valor de sua residência não é considerado. Residência que é resultado de anos de trabalho e privações. Mediante esses e muitos outros episódios absurdos que ocorreram e continuam ocorrendo no Sítio São Francisco, os moradores organizados do bairro classificam as ações desse órgão do Governo do estado de São Paulo como criminosas, porque ferem gravemente os Direitos Humanos, a Constituição Federal, o Estatuto das Cidades e os pactos nacionais e internacionais de direito a moradia. A CDHU opera sistematicamente para que os moradores não se conscientizem de seus direitos e não tenham argumentos para questionar as determinações do órgão. A Companhia usa estratégias de coerção elaboradas com a experiência adquirida em outros conflitos, como o do Jardim Pantanal, ocupação localizada em São Miguel Paulista, próximo ao Sítio São Francisco. Tudo isso para garantir o lucro das construtoras e empreiteiras que constróem os pequeninos apartamentos da CDHU, dando curso à política de higienização adotada no país.
Desde 2008, mais de 100 milhões de reais já foram destinados pelo Governo Federal ao Governo do estado de São Paulo e à Prefeitura de Guarulhos para a urbanização do Sítio. Uma escola municipal foi construída no local, além de uma tubulação de esgoto que não foi liberada para os moradores usarem, mas as ruas continuam sem asfalto e o acesso à saúde, transporte, lazer e cultura continua gravemente comprometido. No dia 24 de fevereiro os moradores do Sítio São Francisco conseguiram a visita de um representante da Secretaria de Habitação de Guarulhos, cuja prefeitura é gerida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) há mais de 10 anos. No dia da visita o representante da Secretaria comprometeu-se, em assembleia, a levar as reivindicações dos moradores até à CDHU, também se comprometeu a reivindicar a presença da Companhia em uma Audiência Pública, deliberada em assembleia para o dia 24 de março, no intuito de esclarecer o projeto para as famílias e permitir uma negociação. Mas até o momento os moradores não obtiveram nenhuma resposta do secretário de Habitação, também do PT.
No dia 7 de março a CDHU fez uma reunião com um grupo de moradores do Sítio que estão sujeitos à remoção, mais uma das reuniões feitas para simular negociação e participação popular. Desta vez os moradores se negaram, em bloco, a assinar os acordos com o órgão. O resultado foram ameaças de reintegração de posse. No dia 19 de março haverá outra dessas reuniões, que só pode ter a presença dos moradores convocados. A Companhia afirmou para os moradores que, caso não aceitassem nesse dia a ida para os prédios, a polícia os retiraria de suas casas sem direito aos apartamentos.
No dia 8 de março se iniciou no Sitio São Francisco a Operação Saturação. Grande aparelhagem da Polícia Militar foi deslocada para o bairro, permanecendo no local por muitas horas e durante vários dias. Não podemos afirmar que essa presença da polícia tem relação com as ameaças da CDHU. Mas podemos dizer que essa é a mesma polícia que fará a retirada dos moradores de suas casas, de forma truculenta e criminosa como costuma ocorrer, caso a Companhia entenda como necessário para garantir o lucro das construtoras e a política de higienização.
Nota sobre o autor
Daniel Martins é membro da Coordenação Estadual do Terra Livre
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